quinta-feira, 28 de outubro de 2010

OE 2011... Mas que grande 31...

"Queria também destacar na educação o ensino obrigatório para rapazes e raparigas até à quarta classe. Só que não tiveram depois unhas para colocar em prática. Lembro que o “Fado do 31” vem da 1.ª República porque retrata a conflituosidade na sociedade da altura."

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Imaginem!...


(Mário Crespo)

00h30m
Imaginem que todos os gestores públicos das 77 empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados. Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação.

Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.

Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas.

Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta. Imaginem que só eram usados em funções do Estado.

Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público.

Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar.

Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês. Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência.

Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas.

Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam.

Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares.

Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.

Imaginem remédios dez por cento mais baratos. Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde.

Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros.

Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada.

Imaginem as pensões que se podiam actualizar. Imaginem todo esse dinheiro bem gerido.

Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.

Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal. Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.·
Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo.
Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos.

Imaginem que país seremos se não o fizermos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mineiros chilenos


Todos quiseram tirar proveito do drama dos mineiros chilenos. O presidente Piñera, com a fanfarra da “unidade nacional” (em torno dele, claro), forma de deixar na sombra a bandalheira permitida aos patrões da mina que foi o factor responsável pela situação. A agência espacial norte-americana, a NASA, porque forneceu a “tecnologia espacial”, ganhando com isso uma face de “utilidade pública”. O Papa, arvorando o “milagre” sem o qual o salvamento ficaria sem explicação, esquecendo por que motivo a acção divina não impediu a derrocada nem obrigou os patrões chilenos a cumprir regras de segurança.

Também os inevitáveis psicólogos de serviço à comunicação social, entraram em cena valorizando a “liderança” e a “ordem” imposta pelos chefes para manter a turba disciplinada e obediente, pronta a ser salva por quem sabe. E até Paulo Portas e o presidente do Benfica vieram perorar sobre o “exemplo”, o “querer”, a “luta pela vida” e outras vacuidades só para poderem aparecer nas televisões.

As conversas destes aproveitadores mascaram o que foi decisivo: a disciplina e a organização dos próprios mineiros, assumidas espontaneamente no pior momento, que lhes deram força para resistirem até à altura de poderem ser socorridos. Foi esta a chave da sobrevivência dos 33 operários.

Antes de os salvadores (da superfície ou dos céus…) terem feito qualquer coisa, os 33 mineiros sobreviveram por sua conta, sem nenhum contacto, durante 17 dias, desde a derrocada que os soterrou a 5 de Agosto até 22 de Agosto, quando o contacto foi estabelecido.
Resistiram organizando-se e disciplinando-se eles próprios: racionaram a comida e a água comendo apenas de dois em dois dias; mantiveram-se activos; decidiram em grupo o que fazer. O chefe de turno (investido pelos comentadores no papel de “líder”) disse, depois de salvo, que as decisões eram tomadas em colectivo e por maioria; e revelou que chegaram a reunir duas e três vezes por dia quando era preciso sanar diferendos.

Mas como isto é inconveniente e não vende, há órgãos de comunicação social que procuram comprar “revelações” e, se possível, “escândalos”. Uma jornalistazinha do Público chegou a questionar se teria passado pela cabeça dos mineiros praticar… canibalismo!
Se quisesse ser séria, a comunicação social tinha pano para mangas pelo menos em duas coisas, só noticiadas de raspão: a recusa dos patrões da mina em deixar sair os 33 mineiros quando eles alertaram, poucas horas antes da derrocada, que algo estava a correr mal e pediram para sair; e o desplante desses mesmos patrões, tolerado pelo governo chileno do senhor Piñera, de deixar de pagar salários, deixando mineiros e famílias à sua sorte, com a justificação de que a paragem do trabalho e o desastre tinham tornado a mina não lucrativa.

A tenacidade auto-assumida pelos 33 mineiros, o seu genuíno sentido de igualdade, a rigorosa democraticidade que fundamentou as suas decisões colectivas – é isso que o poder e os seus adeptos não querem que passe para a massa, para os milhões de trabalhadores chilenos e do mundo inteiro. É esse o lado explosivo da experiência vivida pelos 33 operários de San José.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

França à beira da paralisação com greves e protestos


Refinarias e transportes foram ontem os sectores mais atingidos pela contestação ao projecto de reformas de Nicolas Sarkozy, a qual voltou a mobilizar milhões nas ruas de França. As consequências deste protesto, o sexto em mês e meio, começam a criar o receio de uma paralisação da economia.

"Ninguém tem o direito de fazer todo um país refém", disse o primeiro-ministro François Fillon, quando quatro mil estações de serviço já não tinham combustível e as 12 refinarias estavam em greve ou bloqueadas pelos grevistas. Mesmo assim, disse esperar um regresso à normalidade em "quatro ou cinco dias".

O Presidente Nicolas Sarkozy anunciou que se preparava para uma reunião, ao fim do dia, na qual seriam tomadas medidas para contrariar a falta de combustível. Mais, o chefe de Estado - que conta com uma popularidade de 30% - voltou a insistir que a sua reforma é "para ir até ao fim".

"Até ao fim" parece ser também o lema dos sindicatos que, ontem, levaram para a rua 3,5 milhões de franceses nas 266 manifestações que ocorreram no país e contaram com a participação de muitos adolescentes e universitários.

Contagem diferente fez a polícia, que colocou a fasquia em 1,1 milhões de pessoas. A maior manifestação ocorreu em Paris, com um total de 330 mil pessoas (segundo os sindicatos) e 67 mil, segundo a polícia.

François Fillon, ao comentar o movimento de protesto considerou que este "começa a esvaziar" mas, simultaneamente "está a radicalizar-se". Dos 400 liceus que foram bloqueados, o maior número desde o início do protesto, alguns - como o de Joliot Curie em Nanterre - voltaram a ser palco de confrontos entre a polícia e os adolescentes. Situações idênticas ocorreram em Bordéus e, de forma especial, em Lyon, onde a polícia carregou sobre os jovens. Em Paris, uma estudante ficou ferida na sequência de uma explosão provocada pelo incêndio de um caixote de lixo. No total, a polícia deteve 1158 "desordeiros".

Entretanto, o patronato começou a dar sinais de preocupação quanto à consequência do movimento de protesto. Isto porque se nota uma redução na actividade hoteleira, na restauração, laser, e no comércio de retalho, assim como na construção.

Se se juntar o reforço da greve nos transportes terrestres e aéreos, começa a materializar-se o fantasma de paralisia da economia. É que, enquanto ontem foram anulados 50% dos voos para o aeroporto parisiense de Orly e 30% para o de Roissy, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) convocou para hoje uma greve em todos os aeroportos do país. E as organizações estudantis, dos liceus e universidades, convocaram um dia de protesto para amanhã.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Toda a economia é política


A economia neoliberal criou algumas condições para a autodestruição económica real. A descoberta de caminhos alternativos vai passar por Coimbra já esta semana.

A crise económica do capitalismo global está a gerar uma situação paradoxal. Por um lado há um reforço das políticas económicas que nos conduziram à actual crise e que prometem gerar ainda mais crises e desigualdades sociais e regionais - até à reversão política deste processo ou até à autodestruição do euro. Por outro lado existe uma intensificação do debate entre os estudiosos da economia sobre a melhor maneira de pensar as relações sociais e políticas subjacentes à provisão económica e acerca dos valores que devem orientar a sua reorganização democrática.

A crise reforçou duas tendências intelectuais positivas que podem, a prazo, ter consequências políticas fundamentais. Isto acreditando que as ideias são uma força material quando adquirem a força cidadã. Em primeiro lugar, a crise reforçou o interesse das diversas ciências sociais - da sociologia à psicologia social - pelos processos económicos reais. Em segundo lugar, a crise deu alguma visibilidade a correntes que dentro da própria ciência económica há muito vinham afirmando que a "rainha das ciências sociais" vai nua: a fixação da maioria dos economistas por idealismos mercantis, por uma autêntica utopia económica - reproduziram a sua formação académica - teve consequências científicas e políticas desastrosas.

A ciência económica convencional tornou-se incapaz de explicar os mecanismos dos capitalismos realmente existentes e as exigências de reforma para tornar os sistemas económicos mais sustentáveis social e ecologicamente. A coisa foi ainda pior: a ciência económica foi colonizada pelo dinheiro e tornou-se uma engenharia política ao serviço dos poderes capitalistas mais perniciosos. Em certa medida, a economia neoliberal criou as condições intelectuais e institucionais para a autodestruição económica real.

Neste contexto, a economia é de facto muito importante para ser monopólio de uma economia convencional, que tem também imensas responsabilidades na desastrosa austeridade assimétrica que agora se segue. Esta convicção está na base da conferência internacional que organizamos no Centro de Estudos Sociais (CES), em Coimbra, entre os próximos dias 21 e 23 de Outubro. O leitor português é muito bem-vindo ao esforço internacional para "renovar a economia política". Poderá assistir a dezenas de comunicações sobre economia em que o objecto de estudo é mais importante do que as divisões disciplinares tantas vezes artificiais.

por João Rodrigues, Publicado em 18 de Outubro de 2010