quinta-feira, 6 de setembro de 2012

As brincadeiras com o dinheiro dos outros.


As empresas públicas resolveram brincar às engenharias financeiras e abriram um buraco financeiro que, se tiver de ser tapado, é superior à derrapagem deste ano do défice público. Alguém vai ser responsabilizado? Não.

As empresas públicas resolveram brincar às engenharias financeiras e abriram um buraco financeiro que, se tiver de ser tapado, é superior à derrapagem deste ano do défice público. Alguém vai ser responsabilizado? Não.


Ser gestor público sempre foi uma das melhores profissões em Portugal. São inimputáveis. A esmagadora maioria ganha bem e não é responsabilizado pelas decisões que toma. Já sabíamos que era impossível apontar-lhes o dedo por má gestão porque os governos não cumpriam a sua parte em matéria de transferências, a tempo e horas, das indemnizações compensatórias. Agora, com o que foi divulgado nas contas do segundo trimestre das empresas públicas, ficámos a saber que também são desresponsabilizados quando resolvem jogar nos mercados financeiros dinheiro que é dos contribuintes.


Como revela o Negócios, as empresas do sector empresarial do Estado realizaram um conjunto de contratos de derivados financeiros, avaliados em 16 mil milhões de euros – quase dez por cento do PIB – que em Junho registavam perdas potenciais de cerca de 2,5 mil milhões de euros, ou seja, quase 16% do valor dos contratos. A esmagadora maioria dessas perdas estão em duas empresas: o Metro de Lisboa e o Metro do Porto. E boa parte dos contratos foram assinados pouco depois de se ter desencadeado a crise, em 2008, e tinham como objectivo proteger a empresa do que os gestores da altura consideraram ser um risco de subida da taxa de juro. Como as taxas de juro desceram, em vez de subirem, como antecipavam os gestores, neste momento têm de pagar aos bancos a diferença e, no fim do contrato, poderão ter de registar as perdas remanescentes. Mas, além desses contratos, há outros que são puras aplicações e aumentam o risco a que as empresas estão expostas.

Dir-se-á que os gestores que se protegeram da subida de taxas de juro foram até bastante meticulosos. Tomaram decisões para minimizar os encargos financeiros adicionais que teriam se as taxas de juro subissem. O que tiveram foi azar, as taxas desceram em vez de subiram. E é quando usamos a expressão "azar" que a questão se clarifica. Um gestor público, que está ali a provisionar a prestação de bens ou serviços públicos, com dinheiro dos contribuintes, não tem (ou não deve ter) legitimidade para tomar decisões cujos resultados dependem de ter sorte ou azar. Além disso, não existem nessas empresas competências que garantam decisões tecnicamente fundamentadas. Como consequência, as decisões de comprar ou não um derivado financeiro terá sido basicamente ditada pelo conselho de bancos de investimento que, além do incentivo de venda, se revelaram altamente tóxicos.


Num artigo publicado no "Diário Económico" em finais de Julho, Vítor Bento comparava as operações com instrumentos financeiros realizadas pelos gestores públicos com uma ida ao casino para demonstrar que iríamos condenar mais este último comportamento, quando na prática os dois são equivalentes.


Com as recentes alterações legislativas, quem passa a gerir a carteira desses produtos financeiros é o Instituto de Gestão do Crédito Público. Será o IGCP a decidir se os contratos com os produtos sofisticados se mantêm até ao fim da vida ou se são denunciados, tudo dependendo do que custar cada uma das decisões.


Quem vai pagar esta brincadeira dos gestores públicos? Todos nós, contribuintes, claro está. São mais uns mil milhões que se somam a muitos outros mil milhões.
Responsáveis? Não há.

Crónica de Helena Garrido

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